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Da Folha de São Paulo - 18/12/2005
Discípulo de Dian Fossey diz que grandes macacos geram mais
renda para a África vivos que mortos
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
É uma figura quase arturiana a do biólogo Ian Redmond: com mais de
1,90 metro, cabelos e barba louro-ruivos, esse britânico de 51
anos provavelmente ficaria à vontade na Távola Redonda. Mas o
Graal que ele defende é muito mais frágil e quase tão precioso
quanto o da lenda: os últimos grandes macacos do planeta,
primos-irmãos da humanidade.
Redmond é o consultor-chefe do Grasp (sigla inglesa para "Projeto
para a Sobrevivência dos Grandes Macacos"), estabelecido pelas
Nações Unidas para tentar salvar da extinção as populações cada
vez mais encurraladas de chimpanzés, bonobos, gorilas e
orangotangos. O pesquisador, apesar da timidez e da voz mansa,
claramente incorpora a paixão que o trabalho exige. É para o bem
da própria humanidade e da Terra que vale a pena salvar os símios
da extinção -e não só por razões históricas, argumenta.
"Animais como os grandes macacos são essenciais para a saúde das
florestas tropicais onde vivem, dispersando as sementes das frutas
que comem e renovando a estrutura da mata ao quebrar galhos. São
os jardineiros da floresta. E sabemos o quanto essas matas são
importantes para o clima do planeta", diz. Especialista em gorilas
e ex-aluno da lendária Dian Fossey, que morreu defendendo esses
animais em 1985 e inspirou o filme "Nas Montanhas dos Gorilas",
com Sigourney Weaver, Redmond falou à Folha por telefone de
Bristol (Reino Unido).
Folha - Um encontro internacional realizado há três meses
pelo Grasp em Kinshasa, na República Democrática do Congo, tentou
marcar uma virada na conservação dos grandes macacos. Quais foram
os principais resultados práticos dessa conferência?
Ian Redmond - Bem, ele resultou num compromisso por parte
de ministros de muitos países para enfrentar o problema. Para a
comissão científica do Grasp, o resultado foi uma lista-rascunho
de populações prioritárias, as quais, se forem protegidas,
assegurarão a sobrevivência de todos os tipos de grandes macacos.
O problema desta crise é que a maioria dos 23 países com grandes
macacos são muito pobres, vários são politicamente instáveis e têm
necessidade de gerar renda nacional a curto prazo. E o mais
provável é que eles façam isso vendendo a madeira da floresta ou
os minerais debaixo dela, de forma insustentável, o que causa o
declínio das populações de grandes macacos.
Assim, resolver esse problema também envolve a cooperação dos
países mais ricos, os quais compram a madeira e os minerais cuja
extração afeta esses habitats. Então, foi muito bom ver que houve
o comprometimento dos países europeus, dos EUA e do Japão, não
apenas para ajudar em projetos de conservação mas também para
melhorar sua própria folha de exportações.
Não temos recursos suficientes para salvar todas as populações em
todos os lugares, e portanto temos de estabelecer prioridades.
Para alguns grupos, já é tarde demais, e temos de concentrar nos
que podem ser viáveis. É claro que tem gente se perguntando: "Mas
o que quer dizer viável?". Em alguns casos a população já caiu
abaixo do nível que seria considerado viável, mas é tudo que nós
temos, então é preciso trabalhar com aquilo.
Também é preciso identificar as ameaças, que variam muito de um
lugar para outro. Nem sempre é possível utilizar a proteção
governamental. Muitas vezes temos de adotar enfoques mais
comunitários, oferecer alternativas às pessoas que estão
destruindo os animais, e isso é muito mais complexo: temos de
achar maneiras de reduzir a pobreza por lá. Mas cada vez mais
reconhecemos que o futuro dos grandes macacos tem de estar ligado
ao desenvolvimento sustentável para os seres humanos que vivem
perto deles.
Folha - Os países mais pobres mostram algum ressentimento
em relação ao projeto -algo como "esses estrangeiros se preocupam
mais com macacos do que com pessoas"?
Redmond - Isso é certamente um fator entre os
mal-informados. Tentamos mostrar a esses países que, na verdade,
eles têm muita sorte de contar com os grandes macacos em seu
território. A imensa maioria dos países do mundo não os têm, e só
duas ou três das nações com grandes macacos desenvolveram o
turismo ligado a eles. Em Ruanda e Uganda, isso se tornou uma das
maiores fontes de renda vinda do exterior.
Quando você é um país pobre, como Ruanda, que tem muito pouco de
riqueza mineral ou outros recursos, pode acabar descobrindo que
esses estrangeiros esquisitos pagam US$ 375 para passar uma hora
sentados perto de um monte de gorilas. E em outras parte de Ruanda
e Uganda as pessoas pagam US$ 100 para fazer o mesmo com
chimpanzés -é meio injusto que elas paguem mais pelos gorilas
(risos).
Em Uganda, 20% da renda desse turismo volta para as comunidades
que vivem perto dos animais, com benefícios muito reais em termos
de desenvolvimento e empregos -enquanto, algumas centenas de
quilômetros a oeste, as pessoas estão matando os grandes macacos
para vender sua carne por, no máximo, poucas dezenas de dólares o
quilo.
Desse jeito, as pessoas podem se dar conta de há maneiras muito
melhores de ganhar dinheiro com eles, mesmo se deixarmos de lado
os valores éticos de preservar mamíferos inteligentes e de vida
social complexo que compartilham muitas características dos seres
humanos. Do ponto de vista prático, há outro ponto muito
importante. Se você quer utilizar a floresta como fonte de frutas,
medicamentos, ou mesmo madeira, e não apenas derrubá-la para a
agricultura, você precisa dos grandes macacos, porque eles são
parte importante da ecologia ali.
Muita gente não entende isso, e é muito importante deixar claro
que os grandes macacos, assim como todos os mamíferos grandes e
comedores de frutas, são os jardineiros da floresta. E se você
valoriza a floresta, não mate os jardineiros, para poder se
beneficiar dela para sempre.
Folha - O sr. se refere ao papel deles dispersando sementes
de árvores, por exemplo?
Redmond - Sim, eles ajudam a dispersar sementes [depois de
comer os frutos], quebram galhos e abrem buracos no dossel [parte
mais alta da floresta] que aumentam a luminosidade e estimulam o
crescimento de plantas ao nível do chão... eles afetam a
arquitetura da floresta. Por isso é que nós ressaltamos que não
temos de proteger a mata pelos macacos, mas sim proteger os
macacos pela mata (risos). Numa época em que o mundo está cada vez
mais preocupado com a perda das florestas, principalmente quando
se leva em conta que elas seqüestram carbono do ar e minimizam o
aquecimento global, é preciso cuidar da saúde delas, e isso
significa manter uma população saudável de animais dentro delas.
E é por isso que, nos projetos de reintrodução de animais que
estavam em cativeiro, por exemplo, precisamos ter muito cuidado e
escolher os lugares onde os grandes macacos se foram mas as
florestas ainda existem, porque a mata precisa dos seus
jardineiros.
Folha - Com a atual onda de criacionismo, este é um mau
momento para enfatizar a proximidade de parentesco entre humanos e
grandes macacos? Como convencer uma pessoa que não acredita na
evolução do valor intrínseco deles?
Redmond - Acho que qualquer um que tenha tido a
oportunidade de conhecer um grande macaco verá as semelhanças.
Agora, se elas foram colocadas lá pelas mãos do Deus Criador ou
pelo acaso da evolução não importa realmente. Eles são
fascinantes, e as pessoas ficam fascinadas por eles, seja lá como
interpretem as semelhanças. Como eu disse agora há pouco,
precisamos reconhecer a importância deles, independente de como
eles tenham vindo parar neste planeta (risos).
De qualquer maneira -se estamos tentando proteger a criação de
Deus ou se somos mais pragmáticos e queremos manter o sistema de
suporte de vida do planeta funcionando (risos)-, deve haver o
consenso de que essa é uma tarefa importante. E nós teremos o luxo
de discutir as implicações filosóficas e religiosas no futuro
distante. Mas seria muito triste ter de debater a origem das
espécies com os verbos no passado, como uma argumentação
paleontológica [sobre fósseis], porque não existem mais grandes
macacos vivos na face da Terra.
O PROJETO GAP NA
FLORESTA AFRICANA
O PROJETO ANGOLA
BRASIL e ANGOLA estão unidos por profundos laços históricos, nossa
população tem ancestral comum com os angolanos. Este país
africano, o segundo maior desse Continente, saiu a dois anos atrás
de uma guerra de 30 anos, que arrasou o país e sua biodiversidade
também. Angola está sendo reconstruída, muitas empresas
brasileiras participam desse esforço tremendo que é resgatar o
país das cinzas de um conflito, alimentado pelas grandes
potências, que almejavam as imensas riquezas em diamante, ouro e
petróleo, que Angola possui.
Meses atrás nos foi solicitado que assessorássemos o Governo
Angolano na área de Grandes Primatas. Angola tem na Província de
Cabinda, e talvez em suas províncias do nordeste, chimpanzés,
gorila e possivelmente bonobos em vida livre. Dimensionar esta
população, criar um Santuário para acolher aqueles que foram
retirados das florestas por traficantes e depois vendidos a
famílias humanas, educar a população sobre a preservação destas
espécies tão próximas a nós, substituir a caça de primatas por
técnicas agropecuárias de subsistência, gerenciamento das
florestas para evitar a destruição ainda maior do habitat dos
primatas angolanos, eram as tarefas mais urgentes.
Estes objetivos anteriormente enunciados eram o desafio que nos
deparamos em Angola. A Dra. Cléa Lúcia Magalhães, médica
veterinária do Projeto GAP/ Brasil, foi à Angola em outubro
passado, a fim de tomar conhecimento dos problemas e estabelecer
um roteiro de trabalho. Uma delegação do IDF (Instituto de
Desenvolvimento Florestal de Angola), que equivale ao nosso IBAMA,
presidida pelo Eng. Tomás Pedro Caetano, e o Diretor de Fauna, Dr.
Nkosi Luta Kingengo, nos visitou a nosso convite em novembro
passado. Esta delegação esteve nos Santuários em Sorocaba, Vargem
Grande Paulista e Curitiba para conhecer o tratamento dos grandes
primatas em cativeiro.
Uma parte importante da visita foi em Brasília, acompanhados por
nós e a Embaixada da Angola, quando participaram de reuniões no
IBAMA, Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, SEBRAE,
EMBRAPA, Agência ABC do Itamarati, Zoológico de Brasília e RENCTAS.
Em todos esses intercâmbios, procurou-se estabelecer programas de
cooperação técnica entre o Brasil e Angola, de forma a dar aos
angolanos nossa experiência e treinar o pessoal deles nas técnicas
mais diversas, que eles precisam urgentemente. No IBAMA,
especialmente, tivemos uma disposição de ajuda total, que pode
resultar em uma implantação acelerada das técnicas de preservação
da fauna e do habitat natural, seguindo a nossa experiência.
Em São Paulo, a delegação se reuniu com o Dr. José Goldemberg,
Secretário do Meio Ambiente do Estado, e sua equipe técnica, assim
como com o ambientalista e Presidente da Câmara Municipal de São
Paulo, Sr. Roberto Tripoli.
O Projeto GAP deve assinar nas próximas semanas, assim como outros
órgãos oficiais do país, um protocolo de cooperação com o IDF
Angolano, que permite a construção de um Santuário de Grandes
Primatas na Floresta Mayombe, na Província de Cabinda, onde têm
Grandes Primatas em vida livre. O Projeto GAP se comprometerá a
angariar recursos na iniciativa privada, gerenciar e supervisionar
a construção desse Santuário, que será um Santuário do Estado
Angolano.
Algo surpreendente dos contatos entre a delegação angolana, e os
diversos organismos e pessoas brasileiras, foi o grau de
entendimento sobre o que foi conversado. Os angolanos conhecem o
Brasil tanto quanto nós mesmos, até a cultura, televisão, economia
e os problemas diários de nossa vida. Angola acompanha o Brasil,
como um irmão à distância, eles sabem tudo sobre nós, e nós muito
pouco sobre eles.
Emblemático foi que naquela primeira viagem de Cabral, em que o
Brasil foi descoberto, na embarcação que aportou nas praias
baianas além de um português, tinha um escravo angolano. A partir
daí iniciaram nossas raízes, surgiram nossas identidades e nossa
irmandade. É uma obrigação, e um dever ajudar esse povo irmão,
como também proteger os Grandes Primatas que ainda continuam em
guerra para sobreviver.
Dr. Pedro A. Ynterian
Projeto GAP de Proteção aos Grandes Primatas
Tel. (11)5564-9595
Fax (11)5564-9596
www.projetogap.com.br
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