|
Odete Miranda, Nédia
Maria Hallage, Nina Rosa Jacob, Márcia Rodrigues Garcia Tamosauskas.
Instituto Nina Rosa – Projetos Por Amor à Vida e Faculdade de Medicina do
ABC – Santo André (SP)
O objetivo desse estudo é conhecer a percepção dos alunos sobre o uso de
animais no ensino, quais os conhecimentos que possuem sobre métodos
substitutivos e como se comportam frente aos seus valores éticos. Esse
assunto tem sido objeto de pouca reflexão nas universidades brasileiras a
despeito da Portaria 126/1999, que descreve o perfil desejado para os
acadêmicos de Medicina. Entre as características propostas encontram-se:
cidadão com atitude ética, formação humanística e consciência da
responsabilidade social; capacidade de compreender, integrar e aplicar os
conhecimentos básicos à prática clínica.
Questionário semi-estruturado foi respondido por 61 alunos de medicina
participantes do ENEM/2003.
Reflexões de grandes pensadores ilustram os resultados encontrados.
Resultados
Constatou-se que 54,1% dos estudantes acreditam ser fundamental o
uso de animais para o aprendizado da profissão médica e 59% não se sentem
seguros em reproduzir esse conhecimento para a prática profissional.
O modelo utilizado não guarda proximidade com o paciente “real” da prática
clínica, visto que a textura da pele, a anatomia e a condição que o animal
se encontra não é semelhante ao cotidiano clínico desse futuro médico.
Justificar a necessidade de aulas práticas utilizando animais vivos,
remete-nos ao pensamento de Jorge Thums: “Nem sempre somos bons
caminheiros nesta busca incessante por boas razões, pois as não-razões
também nos encantam, impressionam, atraem e nos desviam do caminho. (1)
72,1% não conhecem métodos substitutivos.
Há uma tendência mundial de abandonar a utilização de animais vivos como
prática no ensino médico, a exemplo de centenas de Universidades na Europa
e América do Norte www.pcrm.org
. Hoje os métodos substitutivos são tão ou mais efetivos para o
ensino. Vários tipos estão disponíveis para empréstimo
www.internichebrasil.org
ou aquisição, dentre eles: “modelos e simuladores mecânicos,
filmes e vídeos interativos, simulações computacionais e de realidade
virtual; auto-experimentação não invasiva; estudo anatômico em animais
mortos por causas naturais ou circunstâncias não-experimentais; estudos de
campo e observacionais; acompanhamento clínico de pacientes reais”. (2)
55,7% acreditam ser ético usar animais vivos como método de ensino.
Há necessidade de quebrar a perpetuação de ensinamentos tradicionais, e
discutir quais mensagens são passadas aos estudantes através do “currículo
oculto”. Muitas dessas discussões esbarram na política interna das
universidades e na resistência dos docentes em refletir sobre seus atos. E
os 44.3% dos alunos, assistem às aulas mesmo acreditando não ser ético tal
prática? “A escola está carente de reflexões e de valores que fundamentem
a ação educativa. O fazer a escola foi perdendo, paulatinamente, os seus
significados. O processo de repetição do fazer, aliado a pouca
criatividade, foi destruindo o tecido pedagógico, o filosófico, o ético, o
humano. Perdeu-se a alma do fazer pedagógico. Onde reencontrá-la?” (1)
70,5% referem sentimentos desagradáveis durante essa prática.
A familiarização com essas práticas dessensibiliza os estudantes, que
ingressaram no curso de medicina com o objetivo de “salvar vidas”.
“Durante os estudos de medicina se produz uma progressiva erosão da
atitude humanista e espontaneamente crítica, sendo substituídas por um
profissionalismo mais respeitoso de normas e códigos”. (3)
“Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando, ensinar exige
reflexão crítica sobre a prática, ensinar exige a convicção de que a
mudança é possível, ensinar exige respeito aos saberes dos educandos e é
tarefa do docente não apenas ensinar os conteúdos mas também ensinar a
pensar certo”. (4)
60,7% não o reconhecem como bom método de aprendizagem.
A boa aprendizagem deve utilizar a provocação, a indução da curiosidade, o
estímulo à descoberta e a possibilidade de repetição. Todos esses estágios
de aprendizado devem ser permeados pela ética, criticidade e
assertividade. O objetivo da aprendizagem deve ser lembrado em todos os
momentos: exercer a boa prática clínica, transformando todo esse
conhecimento em ações que promovam bem estar físico e mental para todos os
seres vivos.
“A educação, a aprendizagem perde-se cada vez mais, pois não temos
sabedoria, conhecimento e nem aprendizagem, apenas acumulação de fatos,
dados sobre dados, assim o educando fica cada vez mais distanciado do
verdadeiro saber”. (1)
55,7% prefeririam o uso de métodos substitutivos se os mesmos
fossem capazes de produzir bom conhecimento.
Estudos demonstram (2) que o uso de animais vivos reduz a capacidade de
memorização prejudicando o aprendizado pelo estresse que o aluno é
submetido ao gerar sofrimento e morte ao seu “paciente”. “Qualquer um que
tenha se acostumado a considerar a vida de qualquer criatura como sendo
sem valor, corre o risco de chegar também à idéia de que a vida humana não
tem valor” . (2)
Conclusão: Verifica-se ambivalência nas respostas dos estudantes
quanto à necessidade do uso de animais para o bom aprendizado. Essa
contradição deve ser resultado do desconhecimento sobre métodos
substitutos eficientes para o ensino da medicina. Momento em que se
discute a formação do profissional dando ênfase na humanização e na boa
relação médico-paciente dever-se-ia estimular a divulgação e a utilização
de tais métodos propiciando a reflexão da verdadeira importância desse
tipo de prática no ensino. Com esse foco faz-se necessário à abordagem
sobre objeção de consciência e o cumprimento à lei federal 9605/98.
Objeção da consciência:
Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. Título
II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais - Capítulo I - Artigo 5º: Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade,
nos termos seguintes: VIII – ninguém será privado de direitos por motivos
de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
Lei 9605/98: Art. 32: Praticar ato de
abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou
domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1° - Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel
em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando
existirem recursos alternativos.
§ 2° - A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do
animal.
Referências Bibliográficas
Thums, Jorge. Ética na Educação: filosofia e valores na escola. Ed.
Ulbra, 2003.
Greif, Sérgio. Alternativas ao uso de animais vivos na educação – Ed.
Instituto Nina Rosa, 2003.
Rego, Sérgio. A Formação Ética dos Médicos: saindo da adolescência com a
vida (dos outros) nas mãos. Ed. Fiocruz, 2003.
Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Ed. Paz e Terra S/A, 1996.
“O
estudante que se recusa a participar de atividade que parece ser ou é
cruel aos animais, deve ser encorajado, e não desestimulado. Compaixão é
muito mais difícil de se ensinar do que anatomia”.
Neal D. Barnard, MD, Psiquiatra, 1995
|
|