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Nuno Ribeiro, Madrid
Na praça deverão ser instalados os vendedores de Els Encants, a
Feira da Ladra da capital da Catalunha
A próxima temporada tauromáquica será a última da praça Monumental
de Barcelona. A crise dos touros e a pressão municipal contra a
festa brava ameaçam vitimar uma tradição espanhola mal vista pelos
círculos nacionalistas catalães. Em 2008 já não haverá touros.
A empresa Balañá, proprietária da única praça da capital da
Catalunha em funcionamento, cansou-se. O contrato das touradas que
expira em 2007 não será renovado depois de na última época de
corridas de touros, entre Abril e Setembro, cada festejo ter dado
um prejuízo de 24 mil euros. Um cansaço aproveitado por parte da
vereação do município para levar à prática o conteúdo de uma moção
aprovada há dois anos.
Foi em Abril de 2004 que a soma dos votos da Esquerda Republicana
da Catalunha (ERC), Convergência e União e dos comunistas aprovou
uma moção contra as touradas. Pela humilhação e dor que aqueles
festejos provocam no animal. E também pelo caráter espanholista
das corridas de touros, tradicionalmente apelidadas de fiesta
nacional em Espanha. Os socialistas deram liberdade de voto aos
seus vereadores e os eleitos do conservador Partido Popular
votaram contra. Insuficiente para derrotar a proposta dos
republicanos.
Com o pretexto de tal votação, e aproveitando a crise da empresa
Balañá, o vereador Jordi Portabella, da ERC, anunciou há dias que
negocia com os atuais proprietários o aluguel, a compra ou a
permuta da Monumental. O objetivo é ali instalar os vendedores de
Els Encants, o equivalente barcelonês da Feira da Ladra lisboeta.
Posição ideológica
"É para assegurar a continuidade de um mercado emblemático e
fortalecê-lo para competir com os mercados congêneres de Paris ou
o Portobello de Londres", justificou o vereador Portabella.
Contudo, para além dos argumentos a favor dos animais e do súbito
interesse pela competitividade internacional de Els Encants, está
subjacente uma posição ideológica, de não conviver com uma
tradição espanhola.
"Gostaria que o fim dos touros se devesse a uma medida corajosa
dos políticos contra os maus tratos aos animais", admite
Concepción Reyero, presidente do Partido Antitouradas. Esta
pequena formação foi a oitava mais votada nas eleições regionais
de Novembro na Catalunha, conseguindo cerca de 14 mil votos, e é
uma das expressões de um amplo movimento contra as corridas de
touros na Catalunha.
Os grupos antitouradas reúnem-se regularmente junto às duas praças
com mais atividade na Catalunha - a Monumental de Barcelona e o
redondel de Tarragona - e a legislação catalã é uma das mais duras
de Espanha. Assim, está proibida a entrada de menores, ainda que
acompanhados de adultos. "O tripartido [coligação de socialistas,
comunistas e republicanos que dirige a Câmara de Barcelona e está
à frente do Governo regional] está a proibir tudo", critica Pepito
Martinez, presidente da associação tauromáquica da Monumental. Uma
legislação que dizimou as praças de touros ambulantes, mesmo as
mais rentáveis: a de Lloret del Mar, na costa da Catalunha, sempre
frequentada por muitos turistas, e a de Hospitalet, a segunda
cidade catalã.
Cada vez menos populares
De pouco vale o lamento de Martinez. Ao ponto de outros
aficionados temerem que moda antitouradas se estenda por toda a
Espanha. "O fim das touradas na Monumental é uma decisão que pode
ter um efeito dominó", admite Luís Alcântara, diretor da Escola
Tauromáquica de Barcelona. Já há uma região de Espanha, as
Canárias, onde as corridas de touros não são permitidas.
De algum modo, as estatísticas confirmam o receio de Alcântara.
Entre 2000 e 2004, o público nas praças de touros diminuiu 11 por
cento e um estudo da Gallup refere que pouco mais de um quarto dos
espanhóis - 27 por cento - têm interesse pelas corridas de touros.
Ora, nos anos 70 do século passado, mais de meia Espanha (55 por
cento) vivia com intensidade a fiesta. E, dos que atualmente se
interessam, 41,1 por cento tem mais de 64 anos.
Isto leva a uma progressiva diminuição da rentabilidade deste
espetáculo: a atividade tauromáquica representa anualmente 1,5 mil
milhões de euros, uma décima parte dos dinheiros do futebol, o
maior espetáculo de massas. Contudo, existem em Espanha cerca de
1500 ganadarias e, na época passada, foram lidados 12 mil touros
em dois mil festejos. Estes dados contrariam o conselho do
toureiro Victor Puerto: "Há que ir pelo menos uma vez a uma praça
de touros para compreender em que se inspiraram poetas, músicos e
escritores como Ernest Hemingway."
http://jornal.publico.clix.pt/noticias.asp?id=114754&sid=12694
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