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25 fevereiro
de 2007
'Ninguém liga para a natureza'
Ricardo Westin
Até hoje, aos 72 anos, Brigitte Bardot mantém aquele estilo de
vida adotado em 1974, quando, para desespero dos fãs no mundo
inteiro, anunciou que se retiraria para sempre do mundo do
espetáculo.
Ainda loira, linda, sedutora e irresistível - sonho de todas as
gerações que viveram nos anos 50, 60 e 70 -, BB largou o cinema
para se dedicar integralmente aos animais. Criou a Fundação
Brigitte Bardot, de defesa dos
direitos dos bichos. Desde então, só foi vista diante de
holofotes, câmeras e microfones falando de sua cruzada.
Nos últimos tempos, porém, envelhecida e com a saúde debilitada,
BB tem preferido manter-se reclusa em La Madrague, sua mansão no
balneário francês de Saint Tropez, ao lado de seus cachorros,
gatos e cavalos. Já não dá entrevistas. No entanto, abriu uma
exceção no início do mês e respondeu a sete perguntas enviadas
pelo Estado.
Brigitte Bardot falou das dificuldades para criar a fundação e
reafirmou seu desgosto em relação à espécie humana, principalmente
pela falta de compromisso com a natureza.
Questionada sobre o presidente Lula, foi incisiva: "Os políticos,
em geral, são oportunistas" . Também não poupou a ministra do Meio
Ambiente: "Se Marina Silva parar a morte das árvores, poderá
merecer o título de ministra. Se não, ela não servirá para nada,
como todos os outros (políticos)".
O tom só abrandou quando respondeu sobre suas recordações do
Brasil. Foi a musa francesa, nos anos 60, quem tornou a pequena
Búzios, no litoral do Rio, famosa no País e no mundo. "Guardo uma
lembrança luminosa, calorosa, simples e adorável - exatamente como
eu gosto de viver."
BB respondeu de próprio punho às perguntas da entrevista abaixo.
Com letra firme, preencheu quatro páginas em francês. No final,
fez questão de mostrar simpatia pelo Brasil. Despediu-se em
português: "Abraços, Brigitte Bardot".
OESP - As pessoas estão mais
preocupadas hoje com a natureza e os animais?
BB - Não, ninguém liga. E é
por isso que chegamos a um problema tão grave. Havia menos gente
na Terra há 30 anos, e os animais ainda não eram uma fonte de
receita tão importante quanto hoje. O tráfico de animais está em
terceiro lugar entre as maiores fontes de receita, depois das
drogas e das armas.
OESP - De que realizações da
sua fundação a sra. se orgulha?
BB - Pouquíssimos objetivos
foram atingidos. As focas no Canadá são mortas três vezes mais
hoje do que em 1977, quando o caso escandalizou o mundo. As peles,
que haviam sofrido um declínio nos anos 90, voltaram com força
total, com a cumplicidade covarde e repugnante dos costureiros
franceses e estrangeiros. Os rituais muçulmanos de sacrifício
continuam sendo feitos sem o aturdimento prévio dos animais (para
que não estejam conscientes na hora do abate) que eu peço há 25
anos e que me foi concedido pelo chefe da comunidade muçulmana da
França em 2004. O governo francês nunca fez nada. O transporte de
animais de consumo é cada vez maior e mais desumano - a duração,
as condições, o frio e o calor, a falta de água e de comida, os
ferimentos, as mortes... É atroz. Além disso, eu gostaria que os
cavalos não terminassem como bife em nossos pratos. É escandaloso!
OESP - A criação da
fundação foi difícil?
BB - Sim, fui muito
criticada por isso, escarnecida. Diziam que a fundação era uma
forma de publicidade pessoal. Fui tratada com escárnio, me fizeram
chorar. Quando se realiza uma coisa assim - tão diferente como
criar uma fundação para os animais depois de ter sido somente uma
atriz de cinema, tão distante desse aspecto administrativo -,
assume-se um risco enorme. Eu assumi esse risco porque quem não
arrisca nada tem. Não foi fácil. Aprendi no dia-a-dia uma porção
de coisas que eu antes ignorava. Doei uma grande parte da minha
fortuna para a criação dessa fundação, à qual dediquei minha vida.
A fundação começou bem pequena, no quarto de hóspedes de La
Madrague, com uma secretária e um telefone. Hoje estou à frente de
55 empregados distribuídos por muitos lugares, que são refúgios. A
sede de minha fundação conta com 35 empregados num hotel
particular perto do Trocadero, em Paris. É um feito maravilhoso,
que me custou caro, material e moralmente. Mas eu consegui, graças
a Deus!
OESP - A sra. tem
seguidores, artistas que também usaram a fama para atrair a
atenção para a causa animal?
BB - Não, por enquanto
ninguém segue meu "sacerdócio". Cada um é dono da sua vida e faz
com ela o que bem entende. Mas muitos atores famosos me ajudam
assinando petições, participando de jornadas de adoção, adotando
eles mesmos cães e gatos. Já é bastante. Alain Delon, Jean-Paul
Belmondo, Robert Hossein, Isabelle Adjani, Annie Cordy, Liane Foly,
Patrick Sébastien, Michel Drucker, Henri Lecomte, Dany Saval,
Pierre Brice, Michel Serrault, o ex-ministro Michel Roccard...
OESP - É possível
comparar o trabalho de atriz com o trabalho de ativista?
BB - Fazer comédia é um
ofício de "fingir". Proteger os animais é colocar-se à prova o
tempo todo, 24 horas por dia, às vezes com imagens insuportáveis
de angústia e morte. Escolhi o segundo caminho para que minha vida
servisse para denunciar as condições atrozes e freqüentemente
inúteis a que os humanos submetem, sem pena, os animais. É um
caminho difícil, mas foi minha escolha.
OESP - Quando foi a
última vez em que esteve no Brasil?
BB - Oh, faz anos-luz que não
vou ao Brasil! Desde 1965! Mas guardo desse país uma lembrança
luminosa, calorosa, simples e adorável - exatamente como eu gosto
de viver.
OESP - O que a sra. pensa do
presidente Lula e da ministra Marina Silva?
BB - Eu não penso nada de Lula
nem de Marina Silva. Os políticos só fizeram promessas, jamais me
ajudaram. Em geral, são oportunistas e não fazem nada de concreto
e positivo por seus países. Eles são piores que as estrelas de
cinema, pensam na própria popularidade antes de pensar no
essencial de sua função, que é governar e promover melhorias no
país. No que diz respeito ao Brasil, estou horrorizada e
escandalizada com o desflorestamento da Amazônia, que é o pulmão
do mundo. Marina Silva faria bem se parasse com urgência a morte
das árvores, que virou uma indústria e que pesa muito na opinião
que o mundo tem sobre o Brasil. Se o fizer, poderá merecer o
título de ministra do Meio Ambiente. Se não, ela não servirá para
nada, como todos os outros.
http://www.estado.com.br/editorias/2007/02/25/ger-1.93.7.20070225.4.1.xml
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